quinta-feira, 24 de novembro de 2011

GRAVURA E ARTE PÚBLICA de MARIA BONOMI



Os olhos da artista plástica ítalo-brasileira Maria Bonomi, 76 anos, brilham à medida em que ela percorre a maior e mais importante exibição de seus 60 anos de carreira como gravurista, escultora, pintora, muralista, cenógrafa, figurinista, curadora e professora. Nos cerca de mil metros quadrados espalhados em quatro salões do Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) de Brasília, ela vai revisitando, uma a uma, as quase 300 obras da exibição "Maria Bonomi em Brasília - Da gravura à arte pública", inaugurada na semana passada e em cartaz até janeiro.

Diante dos trabalhos, desfia o que pensa sobre sua arte - "gravura para mim não é técnica, é linguagem de expressão artística. A matriz é a grande obra, onde você coloca o seu gestual" -, sobre o mercado brasileiro - "o eixo Rio-São Paulo é bem menos independente das imposições comerciais do que se pensa" - e sobre as relações entre poder e arte - "Falta arte pública para as pessoas verem na rua, sem pagar". Ali está, como diz o curador da mostra, Jorge Coli, uma artista cuja obra se equilibra em duas grandes vocações: a artesanal, ligada à forma como produz, e a social, ligada a como as obras se relacionam com a sociedade.

Feminismo e política

Foi exatamente por isso que Coli organizou a mostra não por fases cronológicas, mas por afinidades em torno de temas caros à artista, como o universo feminino, os temas políticos - Maria foi presa pelo governo militar em 1974 após uma viagem à China -, os painéis que produziu para espaços públicos - 20 das mais de 30 obras monumentais estão em São Paulo - e a evolução de sua produção em gravuras, reunidas na Sala Panorama.

- Os trabalhos dialogam entre si, por isso abandonei a lógica cronológica. Ela faz muito o que Lina Bo Bardi chamava de metagênese, que é a capacidade de extrair novas obras de obras já existentes - diz Coli.

De fato. Na sala feminina, chamada Útero, é impossível não relacionar os pequenos quadros que Maria pintava quando ainda tinha 15 anos, como "Fugindo da escola", com as ilustrações que a artista fez para o livro "Ou isto ou aquilo", de Cecília Meireles (1964), as gravuras das séries "Medusa" (1997) e "Hydra" (2001) e o recentíssimo "Paris Rilton", uma escultura oval em bronze interativa. Abrindo pedaços da obra, o visitante acha objetos de consumo feminino, de boás a sapatos de salto alto.

- Eu criei a obra especialmente para a mostra porque precisava criticar essa idiotização da figura feminina, relegada a um consumismo desenfreado estimulado pela propaganda preconceituosa - diz ela.

Pena que no CCBB não caibam as obras monumentais que hoje enfeitam locais públicos (objeto de sua tese de doutorado na USP em 1999). Mas um vídeo explica seu processo criativo e mostra as principais, como o painel "Epopeia Paulista", na Estação da Luz, em São Paulo.

- Não entendo por que o Brasil não faz como o México, onde os canteiros de obras são obrigados a aproveitar os materiais na elaboração de obras de arte para espaços públicos - afirma.

Se na Sala Calabouço, onde ficam obras de viés político, o ambiente é sombrio pelo impacto de gravuras antigas que falam de torturas ("Balada do terror", de 1970), crises ("Cairo January", de 2011, gravura digital em cima de uma foto da Praça Tahir, no Egito) ou violência ("Tetraz - Dança das facas", de 2003, uma instalação interativa de facas na terra), na Sala Panorama, totalmente solar, apreende-se a trajetória daquela que é considerada a maior gravurista viva do país.

São dezenas de xilogravuras e litogravuras que deixam para o visitante a intepretação maior das formas e cores. Uma das peças mais fascinantes é "A ponte", de 2011, que Jorge Coli chama de "obra em progresso" porque Maria decidiu, na hora, usar matrizes das ondas na gravura para criar figuras em aço, colocadas na extensão da obra, como membros, enquanto a gravura em si é cercada das matrizes em madeira que a geraram.

- Já fiz tiragens de litogravuras para democratizar obras, mas é errado pensar em gravura como técnica, uma maneira de multiplicar uma imagem, mais ou menos como fazia Volpi. Volpi nunca foi gravurista - diz ela.

"Da gravura à arte pública" (mesmo nome do livro de 2008 sobre a autora, organizado por Mayra Laudanna) foi uma ideia da produtora e fotógrafa Maria Helena Peres - casada com a artista há dez anos - quando, em 2007, iniciou o trabalho de catalogação de sua carreira. Em 2008, a artista ganhou uma retrospectiva na Pinacoteca de São Paulo, mas Lena sabia que havia fôlego para um trabalho maior.

- Percebi que o material, finalmente organizado, era um painel da vida dela, artística e pessoal - diz Lena.

Se algo pudesse melhorar a retrospectiva seria a presença constante da própria artista, uma fonte inesgotável de histórias. Como a vez em que foi premiada na Bienal de Arte de São Paulo, em 1967. Aproveitou a cerimônia e a presença do presidente Castelo Branco para entregar ao general uma carta pedindo a libertação de alguns presos políticos, como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.

- Os anos 1960 e 70 foram especiais para mim: não fui concretista, não fiz concessão e também não morri, apesar de ter sido presa e encapuzada - ri.

Ou a vez em que Salvador Dali foi à sua primeira exibição em Nova York, em 1958, e encantado com o trabalho, explicou que também fazia gravuras. Só que usava uma escopeta com cartuchos carregados com o cabelo de sua mulher Gala para "dar um toque" nas imagens. Discípula de Lívio Abramo, Maria Bonomi diz que evita rotinas - faz apenas pilates e corre na esteira três vezes por semana - porque tem "um tempo longo de criação".

- Eu nunca acabo os trabalhos. As obras têm que ser tiradas de mim - diz.

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